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“A remissão dos pecados … e das dívidas” artigo escrito por Judith Teodoro, inspirado na época da quaresma, em especial sobre a remissão como forma de extinção das obrigações, publicado no Jornal Correio dos Açores no dia 30 de março de 2021 e no Jornal Portuguese Times no dia 31 de março do mesmo ano

Abr 1, 2021

A quaresma é o período litúrgico de quarenta dias que começa na quarta-feira de Cinzas e que termina com a celebração do Domingos de Ramos, período que simboliza os quarenta anos de esforço, sacrifício e martírio do povo de Israel enquanto errou no deserto do Sinai após a fuga do cativeiro no Egipto, até ser guiado e redimido por Moisés no caminho de volta à Terra Santa.

Durante esse período simbólico somos todos convocados à abstinência, ao jejum, à penitência, e a algum sacrifício, pondo em prática os valores cristãos e aproximando-nos de Deus e do próximo, preparando-nos para a celebração da festal pascal.

A quaresma conduz-nos ao Domingo de Ramos e ao Tríduo Pascal, celebrativo da ressurreição de Jesus Cristo, que pela sua morte remiu todos os pecados e que pela sua vida de ressuscitado se devolveu à plenitude do Pai.

Ora, a palavra remissão tem o significado de perdão e, no tempo quaresmal que vivemos, temos sempre presente aquele momento fundamental que é o do sacrifício, seguido da ressurreição, do filho de Deus que se entregou na cruz para remissão dos nossos pecados, ou seja para a extinção, pelo perdão, das faltas que ofendem a Deus e que mancham a nossa alma perene.

Já no âmbito da lei civil, a remissão consiste mais prosaicamente – mas também relevantemente – na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, ou seja naquilo que comumente se denomina como perdão de dívida e que é uma das causas de extinção das obrigações distinta do cumprimento.

Porém, para que esse perdão seja válido perante a lei civil é exigido que o devedor dê a sua a concordância, pelo que a remissão, como forma de extinção de uma obrigação, tem a natureza de contrato bilateral, o qual tem como efeito imediato a perda definitiva do crédito, de um lado, e a liberação do débito, pelo outro.

Apesar disso, a remissão não se consubstancia necessariamente como um contrato oneroso, podendo traduzir uma verdadeira liberalidade feita pelo credor ao devedor (a remissão donativa), a que é aplicável o regime legal da doação, ou então ter um intuito de mera abdicação (a remissão puramente abdicativa).

Para prova do contrato que serve base à remissão não é necessariamente exigível documento escrito, mas tanto à declaração com carácter remissivo por parte do credor como ao consentimento do devedor aplicar-se-ão as regras gerais sobre a validade e eficácia das declarações negociais.

Fundamental é que da declaração negocial do credor resulte inequivocamente uma renúncia à prestação em dívida pelo devedor e que da declaração negocial do devedor resulte que presta o seu consentimento, pois poderá este até ter interesse em demonstrar que não existe dívida e querer obter decisão judicial nesse sentido.

Não sendo a dívida um pecado, certo é que também pode ser remida. E para isso não é preciso ninguém morrer na cruz.

Por Judith Teodoro

Advogada