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“Cabeça de Cartaz”, artigo escrito por Judith Teodoro, sobre direito das sucessões, publicado no jornal Correio dos Açores, no dia 23 de março, e no jornal Portuguese Times no dia 24 de março de 2021

Mar 24, 2021

Cabeça de Cartaz é a expressão que alguns, popularmente e com graça, utilizam quando se querem referir ao cargo de Cabeça de Casal. Também há quem o denomine como Cabeça da Casa e outros epítetos igualmente pitorescos.

Quando ocorre a fatalidade da morte ocorre também aquilo que legalmente se designa por abertura da sucessão, passando o património do falecido a integrar um património autónomo que é o da sua herança, a qual, desde que aceite pelos seus herdeiros, passa a designar-se por herança indivisa. Essa situação de indivisibilidade manter-se-á até à partilha da herança, altura a partir da qual o, ou os, herdeiros passam a ser proprietários dos bens que a compõem, conforme o que lhes seja adjudicado na partilha.

Mas até que essa situação de indivisibilidade cesse com a partilha, e porque a vida não para, a herança terá de ser “encabeçada” por alguém que garanta o exercício da sua administração e que pratique todos os actos que sejam necessários à sua liquidação e subsequente partilha. Esse é o cargo que a lei designa por Cabeça de Casal e que, por regra, não será remunerado.

O cargo de Cabeça de Casal é deferido por lei às seguintes pessoas e pela seguinte ordem de prioridade: ao cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens, se for herdeiro ou tiver meação nos bens do casal; ao testamenteiro, salvo declaração do testador em contrário; aos parentes que sejam herdeiros legais, com preferência pelos de grau mais próximo e os que viviam com o falecido há pelo menos um ano à data da morte; e aos herdeiros testamentários, com preferência também pelos que viviam com o falecido há pelo menos um ano à data da morte. Finalmente, e em igualdade de circunstâncias, dá-se preferência ao herdeiro mais velho.

Não obstante esse deferimento por via da lei, poderá o Cabeça de Casal pedir a escusa do cargo: se tiver mais de 70 anos de idade; se estiver impossibilitado, por doença, de exercer convenientemente as funções; se residir fora da Comarca cujo Tribunal é competente para o inventário; ou se o exercício dessas funções for incompatível com o desempenho de cargo público que exerça.

Poderá também o Cabeça de Casal, a requerimento de qualquer outro herdeiro, ser removido desse cargo: se dolosamente ocultou a existência de bens pertencentes à herança ou de doações feitas pelo falecido, ou se também dolosamente referiu doações ou encargos inexistentes; se não administrar o património hereditário com prudência e zelo; se não cumpriu no inventário os deveres que a lei de processo lhe impuser; ou se revelar incompetência para o exercício do cargo.

No âmbito do Processo de Inventário compete ao Cabeça de Casal praticar os actos e fornecer os elementos necessário ao seu prosseguimento, nomeadamente identificar o autor da herança e os interessados directos na partilha e arrolar e descrever os bens da herança e as verbas de eventual passivo, juntando todos os documento necessários ao desenvolvimento do Processo.

Mas independentemente da existência de Processo de Inventário – e até porque a partilha se poderá fazer extrajudicialmente – o Cabeça de Casal tem funções de administrador dos bens da herança, incluindo-se nessa administração os bens próprios do falecido e, caso este fosse casado, os bens comuns do casal.

De entre os poderes que lhe são conferidos para exercício da sua administração da herança, o Cabeça de Casal poderá, nomeadamente, exigir aos herdeiros ou a terceiros a entrega dos bens que aqueles possuam e que deva administrar, usando contra eles acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão, cobrar dívidas activas da herança quando a cobrança possa perigar com a demora ou o pagamento seja oferecido espontaneamente, e vender frutos ou outros bens deterioráveis da herança, podendo aplicar o seu produto na satisfação das despesas do funeral, bem como no cumprimento dos encargos da administração.

Existem no entanto limites aos poderes de administração do Cabeça de Casal, não podendo o mesmo, vender ou hipotecar bens da herança, ainda que se destinem ao pagamento de dívidas da mesma, nem mesmo contrair empréstimos para aquisição de outros bens, bem como tomar de arrendamento ou adquirir, directamente ou por interposta pessoa, estando-lhe igualmente vedado liquidar dívidas antes da sua aprovação pelos restantes herdeiros, sem autorização do Tribunal.

Para além dessas funções e responsabilidades, o Cabeça de Casal também está sujeito ao dever de prestar contas anualmente da sua administração e de, logo após o falecimento do autor da sucessão participar o óbito à Autoridade Tributária, relacionando os respectivos bens. Mas, quando se justifique, deve também apresentar na declaração anual de rendimentos a demonstração dos lucros ou prejuízos obtidos pela herança, identificando os outros contitulares que serão também tributados relativamente às suas quotas-parte nos rendimentos, que se presumem iguais, sendo que, no que toca ao IMI, o seu pagamento é requerido ao Cabeça de Casal.

Por esta breve síntese se percebe que o exercício do cargo de Cabeça de Casal, porque recheado de deveres e responsabilidades, não será tão glamoroso como o do Cabeça de Cartaz.