“A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR E A DEUS O QUE É DE DEUS”
Após um período conturbado decorrente da implantação da República em que reinou o anticlericalismo as relações entre o Estado Português e a Santa Sé foram normalizadas e reguladas com a celebração primeiro com a Concordata de 1917 e depois com as subsequentes Concordatas celebradas em 1940 e em 2004. No essencial tratou-se de, reconhecendo o princípio da separação entre a Igreja e o Estado, estabelecer a forma como ambos se relacionavam nomeadamente na ordem jurídica interna portuguesa. Entre outras questões ali abordadas nomeadamente no que toca à fiscalidade, ressalta o reconhecimento na ordem jurídica interna portuguesa da jurisdição eclesiástica.
A Constituição da República Portuguesa, estatui na norma ínsita no art.º 41º n.º 4 estipula, que “As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto”.
Trata-se aqui da emanação dos princípios da separação entre as Igrejas e o Estado, bem como da liberdade de organização daquelas.
Por outro lado, dispõe o art.º 8º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa que “As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.”
Em interpretação deste preceito, o Tribunal Constitucional tem considerado “as normas do direito internacional convencional detêm primazia na escala hierárquica sobre o direito interno anterior e posterior”.
Por força do disposto na Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 18 de Maio de 2004 e também por força dos dispositivos constitucionais aplicáveis, vigoram na ordem interna com primazia sobre o direito interno.
A Concordata de 18 de Maio de 2004, formalizada entre a Santa Sé e a República Portuguesa, no artigo 10 nº 1, dispõe expressamente: “A Igreja Católica em Portugal pode organizar-se livremente de harmonia com as normas do direito canónico e constituir, modificar e extinguir pessoas jurídicas canónicas a que o Estado reconhece personalidade jurídica e civil.”
Pelo que, por força deste normativo, bem como do artigo 11º nº 1 da mesma Concordata, essas pessoas jurídicas canónicas regem-se na sua organização pelo Direito Canónico, sendo que, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 2º da Concordata, a República Portuguesa reconhece à igreja Católica “(…) a jurisdição em matéria eclesiástica (…), bem como o direito de “(…) aprovar e publicar livremente qualquer norma, disposição relativa à actividade da Igreja (…)”.
O que significa, que o Estado reconhece também à Igreja Católica o direito de aplicar o direito canónico, quanto à organização das entidades com personalidade jurídica canónica, através de jurisdição ou Órgãos Jurisdicionais próprios.
Constitui uma questão de competência exclusiva da Igreja Católica, competência essa que o Estado Português reconhece, não sendo sindicável nos tribunais comuns as decisões sobre matérias de organização da vida de pessoas jurídicas canónicas, será o caso das declarações de nulidade dos casamentos proferidas nos tribunais eclesiásticos. É uma situação em que o Estado Português reconhece a competência da jurisdição eclesiástica mesmo com os decorrentes efeitos civis dessa decisão. Dito de outro modo “a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.”.
Por Judith Teodoro
Advogada,