Poderão surgir situações em que um determinado bem é detido ou está na posse de uma pessoa que não tem direitos legais sobre o mesmo. Essas situações ocorrem na maior parte dos casos quanto a imóveis mas também podem ocorrer quanto a bens móveis.
Artigo publicado por vários jornais e rádios – 21/05/2025
Nesse caso, o verdadeiro proprietário poderá enfrentar obstáculos para recuperar o que lhe pertence e exercer os seus direitos de propriedade. Estas disputas surgem quando existe um bem que foi ocupado ou é detido de forma abusiva ou sem consentimento, podendo existir ou não um contrato formal.
Não existindo contrato, estará possivelmente em causa uma ação de reivindicação, que consiste num meio jurídico que se encontra ao dispor de um proprietário que tem como objetivo recuperar um bem seu que foi ilegitimamente ocupado. Esta figura en- contra-se prevista no artigo 1311.o e seguintes do Código Civil e surge como um tipo de ação que pretende pôr fim a uma situação em que determinada pessoa tem na sua posse um bem que não lhe pertence e que não tem intenções de restituir este mesmo bem ao respetivo proprietário. É uma figura muito importante no que toca à proteção do direito de propriedade, que existe especialmente em casos onde as partes não têm um contrato estabelecido.
Já quando existe um contrato, por exemplo de locação (contrato em que uma pessoa proporciona a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição, seja um aluguer, quando se trata de bem móvel, ou arrendamento, quando se trata de um bem imóvel), estará em causa uma ação de despejo.
Assim, para clarificar este conceito, prossigo com uma comparação entre estes dois tipos de ação, através de breves exemplos práticos, visto que estes conceitos são facilmente confundidos.
Imagine-se que o André permite que o Bruno fique a morar temporariamente numa casa sua, sem que houvesse lugar ao pagamento de renda, através de um acordo verbal, ou até mesmo por contrato escrito, que neste caso seria de Comodato. Chegado ao termo do prazo combinado para a ocupação da casa, ou após solicitação do André para que lha restitua, caso tivesse sido acordado que a poderia reclamar a qualquer momento, o Bruno mantém-se a morar na casa e passa a comportar-se como se fosse o dono do imóvel, recusando-se a entregá-la ao André e impedindo o seu acesso à mesma. Dada essa situação — onde não há contrato de lo-
cação, nem pagamento de retribuição, assim como nenhuma posse legítima — o André pode intentar uma ação de reivindicação de domínio para recuperar a plenitude do seu direito de propriedade e para que a casa lhe seja restituída.
O mesmo acontecerá se o Bruno passar a ocupar a casa do André logo desde o início sem qualquer tipo de consentimento e contra a vontade deste. Neste caso está em causa o direito de propriedade, pois não existe nenhum contrato de locação, de comodato, ou qualquer outro que permitisse o uso da casa por parte do Bruno, existindo antes uma ocupação abusiva que poderá até ser considerada uma invasão ou esbulho violento, sendo nestes casos também facultados meios de restituição provisória da posse ao André através de Providência Cautelar prévia à propositura da acção de reivindicação.
Comparativamente, se o André e o Bruno tivessem celebrado entre si, mesmo que apenas verbalmente, um contrato de locação, com o pagamento de renda e não importando aqui a duração do contrato, se o Bruno não cumprisse com o pagamento das rendas, ou não cumprisse qualquer outra obrigação do contrato, intentar-se-ia uma ação de despejo, mas já não uma ação de reivindicação, pois aqui está em causa o direito de locação. Com efeito, mesmo que não exista um contrato formal por escrito, onde estão estabeleci-
das todas as obrigações e os deveres de ambas as partes, sempre existirá uma relação jurídica de arrendamento a que se aplicam as regras estatuídas na lei civil, nomeadamente no Código Civil. Como o Bruno não cumpriu as suas obrigações, o André poderia proteger o seu direito de propriedade, através de uma ação de despejo, que será aquela prevista na lei e que é a mais adequada à situação em causa.
Para concluir, apesar de existirem claras diferenças entre estes dois mecanismos, é importante realçar que ambas se aplicam quando esteja em causa uma posse ilegítima do bem.
Judith Teodoro,
Advogada
Com a colaboração das colegas,
Catarina Menezes e Filipa Cabral