A Ana e o Bernardo (nomes fictícios) são casados e têm como únicos herdeiros os seus dois filhos. Já numa idade mais avançada, o Bernardo tem algumas preocupações em relação à casa que os dois têm em comum e quer assegurar no testamento que, mesmo depois de falecer, a Ana terá direito a viver lá até ao fim dos seus dias sem ter de mudar-se, mesmo que os restantes herdeiros pretendam dar outro tipo de utilidade à casa. Qual será a melhor forma de fazer isto acontecer, de forma a proteger Ana e, ao mesmo tempo, equilibrar os interesses dos filhos enquanto restantes herdeiros?
É aqui que surge a figura jurídica do usufruto. Este define-se no artigo 1439o do Código Civil (doravante designado de “CC”) como “(…)
o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância”. Assim, no exemplo supramencionado, Ana teria o uso pleno da casa e, enquanto este durasse, os filhos (restantes herdeiros e proprietários) ficariam inibidos de usá-la. Teriam a nua propriedade, o que significa que a casa também lhes pertence, mas não podem possuí-la nem usufruir dela enquanto durar o usufruto. Apenas teriam alguns poderes de disposição que não poderiam afetar o usu-
fruto, tais como fazer obras de conservação ou melhoramento da casa.
E quanto tempo pode durar o usufruto? Dependerá daquilo que as partes estipularem: poderá ser vitalício (até à morte do usufrutuário) ou poderá estipular-se um prazo. Não poderá, contudo, exceder os trinta anos (art.o 1443.º CC).
Como explicado anteriormente, o usufrutuário tem o direito, nos termos do art. 1446.º do CC, a usar, fruir e administrar a coisa ou o direito, tendo sempre a responsabilidade em manter a qualidade do bem. Porém, embora tenha o poder de administrar o bem, não pode fazê-lo livremente, existindo limites. Neste sentido, pode arrendar o bem, obtendo rendimentos desta atividade, mas não poderá vender ou doar o bem, visto que o que lhe pertence é apenas o direito de usufruir do mesmo.
Portanto, após a morte de Bernardo, a Ana como usufrutuária e proprietário de parte do bem não pode vender o imóvel na sua totalidade, a não ser que tivesse mantido o bem apenas como seu e assim teria a propriedade do bem na sua plenitude e poderia dispor do bem de forma livre. Relativamente aos seus filhos, como apenas lhes pertence a nua propriedade, que consiste na propriedade sem o usufruto, poderão vender o bem, mas não estará incluído nesta venda o usufruto do imóvel, o que não é um cenário ideal para quem procura adquirir uma propriedade, uma vez que não terá o direito a usufruir deste bem.
Para além de se poder estabelecer o usufruto através de testamento, muitas vezes o usufruto surge como uma solução para muitas outras situações onde existe algum tipo de insegurança por parte dos proprietários. Como exemplo disto, temos, mais uma vez relacionado com pais e filhos, a chamada doação com reserva de usufruto, através da qual os pais doam o bem ao/s filho/s, mas pretendem continuar a ter o direito de lá viver até à sua morte, e, por isso recorrem a este instituto.
Judith Teodoro,
Advogada,
Com a colaboraçãos das colegas,
Filipa Cabral e Catarina Menezes