Ao longo dos tempos, em Portugal, era uso comprar e vender propriedades, ou mesmo doá-las, de forma verbal, sem recurso à escritura pública. Em alguns casos, o comprador limitava-se a ir às Finanças, pagar a sisa (que lhe dava acesso a uma caderneta em seu nome), mas nunca titulava o negócio, nem procedia ao registo na conservatória, até porque este não era obrigatório.
Hoje em dia, esses proprietários deparam-se com muitas dificuldades quando querem registar esses bens, uma vez que os vendedores originários já não se encontram vivos, ou estão dispersos em parte incerta pelos quatro cantos do mundo, o mesmo sucedendo aos seus herdeiros, o que agora impossibilita a realização da escritura do negócio feito “de boca”, como diz povo, há várias décadas.
O Código Civil tem prevista a solução para estas situações. Trata-se da aquisição por usucapião, constante do artigo 1287.o do Código Civil: “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação”.
O proprietário de um imóvel nestas condições pode regularizar a sua aquisição ocorrida, por norma, há mais de 15 anos, através de uma escritura notarial ou judicial de aquisição por usucapião.
Se agora ele proceder à venda do imóvel, tem de declarar esta alienação às Finanças, na declaração de IRS, para apuramento do rendimento de mais-valias (artigo 10.o n.o 1 do Código do IRS).
Nestes casos, qual é a data de aquisição: a data da escritura de justificação ou a data em que foi feito o negócio originário? E qual o valor dessa aquisição?
Numa primeira linha, a data e o valor de aquisição são os da escritura de aquisição e que serviram de base ao imposto de selo pago na sequência dessa usucapião. Mas o contribuinte vendedor pode invocar a data e o valor originários, se eles constarem do título de aquisição por usucapião.
Ora, esta situação ser-lhe-á fiscalmente mais vantajosa se se tratar de imóvel adquirido antes de 1 de janeiro de 1989 (excepto no caso de terrenos para construção), pois está excluída da incidência do IRS, apenas obrigando ao preenchimento do anexo G1 da
declamação modelo 3.
De facto, a Autoridade Tributária já se pronunciou sobre esta matéria, admitindo como válida a data de aquisição originária, numa informação vinculativa proferida no âmbito do processo 4468/2017, com despacho da subdirectora-geral do IR de 29 de janeiro de 2018, aliás disponível para consulta no Portal das Finanças.
Resumindo e simplificando, os proprietários justificantes, ao fazerem a sua escritura, devem certificar-se que nela fica a constar a data real da compra (ou doação) original, em especial se essa aquisição ocorreu antes do ano de 1989, tratando-se de prédios rústicos ou urbanos, com excepção de lotes para construção. É uma forma de poupar por vezes milhares de euros no IRS. Legalmente, claro.