São muitas vezes colocadas questões àcerca da usucapião, o que esta significa, ou mesmo se é justa, pois, muitas vezes, a percepção comum é de que, na maioria das situações, basta entrar num imóvel alheio e lá ficar determinado período para que passemos a ser os proprietários do mesmo. No entanto, o processo de usucapião não decorre de forma assim tão simples, visto que a lei criou mecanismos e critérios a ser cumpridos que regulam esse instituto de forma bastante minuciosa.
A usucapião, prevista no artigo 1287o e seguintes do Código Civil consiste na “(…) aquisição de o direito a cujo exercício corresponde a sua atuação (…)”, ou seja, é a aquisição da propriedade de um bem, ou outros direitos reais, através da posse desse bem por um período prolongado e contínuo.
Esse período exigido varia consoante a natureza do bem a usucapir e a situação em causa. Em primeiro lugar é necessário perceber a intenção de quem pratica a usucapião, isto é, se o possuidor sabia que o bem tinha proprietário ou não, correspondendo assim à apropriação de má ou boa-fé.
Relativamente a bens imóveis e quando se trata de uma posse de boa-fé com título de aquisição e registo é exigido um período mínimo de 10 anos; mas se for de má-fé esse período será de 15 anos. Nestes casos em que existe título de aquisição e registo, funciona a regra da presunção derivada do registo, pelo que estes prazos destinam-se apenas a reforçar a segurança jurídica do proprietário com registo a seu favor. Se o possuidor não tiver título de aquisição, mas tenha registo de mera posse, quando for de boa-fé, ocorre passado 5 anos, ou 10 anos se for de má-fé. Por último, se não existir registo de título de aquisição nem de mera posse, será após 15 anos no caso de ser em boa-fé, ou 20 anos se for de má-fé. Se estiver em causa um imóvel arrendado, não é possível o arrendatário tornar-se proprietário através deste instituto visto que o mesmo é mero detentor do bem e não o seu possuidor.
Para que a usucapião de bens imóveis produza os seus efeitos e o novo proprietário possa ver o seu direito legalmente reconhecido, é necessário formalizar a aquisição através de uma escritura de justificação notarial, ou através do respectivo processo junto da Conservatória do Registo Predial. A escritura de justificação é outorgada perante um Notário e constitui um meio extrajudicial que permite reconhecer a aquisição do direito de propriedade quando há consenso entre os declarantes que a outorgam sobre o exercício da posse de forma pacífica e contínua por determinado período e sem qualquer oposição. Do mesmo modo, no Processo de Justificação junto da Conservatória do Registo Predial é exigida a apresentação de provas da posse contínua e pública do imóvel pelo período exigido pela lei. Neste procedimento, caso seja ou não seja apresentada contestação por parte do antigo proprietário ou de terceiros, caberá sempre ao Conservador proferir decisão, havendo recurso para o Tribunal.
Já nos casos de Escritura de Justificação, o antigo proprietário ou outro interessado com direito sobre o imóvel, terão de impugnar a Escritura em ação própria no Tribunal. Poderá também o interessado possuidor recorrer directamente aos tribunais para que lhe seja reconhecido judicialmente o seu direito de propriedade por aquisição originária, ou usucapião, o que geralmente acontece quando a sua posse é perturbada ou esbulhada por outrém.
Outra questão importante a referir será a prova – a prova da posse é um aspeto essencial em qualquer forma de reconhecimento, notarial ou processual, da aquisição por usucapião. Para que exista verdadeira posse e não mera detenção, o interessado deverá comprovar que pratica atos de domínio, ou seja como se fosse dono, sobre o bem usucapido que, por lei, correspondem à existência de uma verdadeira posse, seja ela de boa ou má-fé. A maioria das documentações que possam comprovar a posse incluem pagamento de impostos, faturas e outras taxas, e obras no bem usucapido. Também terá de ser apresentada prova testemunhal de outros atos que confirmem o domínio do bem.
Em suma, este instituto não tem a finalidade de promover a ocupação violenta ou ilícita de imóveis, mas sim a consolidação da posse não contestada por um longo período, onde se torna possível outorgar direitos do possuidor que já está a atuar como proprietário, sendo de grande utilidade quando o possuidor, que é dono, já não consegue outra forma de legitimar o seu direito.
Judith Teodoro,
Advogada
Com a colaboração das colegas,
Catarina Menzes e Filipa Cabral